Estranho como a identificação de certas pessoas ou situações com momentos estes ou aqueles podem nos fazer distanciar do que é bom. Tenho o hábito de cantar no chuveiro e na última quarta-feira à noite, antes do anúncio de sua condição final, cantei uma canção que ficou célebre na voz da argentina Mercedes Sosa, "Volver a los 17".
Achei estranho ter cantado esta música mas não vejo aí qualquer traço premonitório. Foi apenas uma coincidência mesmo. O estranhamento se deu porque há anos não lembrava sequer da existência da cantante de quem um dia fui fã ardorosa. Seguidora até, eu diria.
Mas entendo este afastamento. Associava Mercedes com os tempos das ditaduras. E vamos considerar que os tempos de ditadura já não me interessam de forma alguma há três décadas. Seja porque os ditadores não merecem ser lembrados ou porque os resistentes, ao qual me alinhava, igualmente não merecem qualquer lembrança. Sinto vergonha por ambos e devo ter jogado Mercedes, burramente, na mesma vala.
Em 1980, ainda fazia cursinho para entrar na faculdade em Porto Alegre, fui a um show de Mercedes Sosa no Gigantinho. Estava cheio o ginásio. Não lembro se pela segunda ou terceira música um cheiro insuportável tomou conta do ambiente. Era uma bomba de gás. Ninguém se moveu e Mercedes saiu do palco. Logo depois voltava com seu bumbo leguero e mandava acender as luzes para que "pudéssemos ver os olhos do inimigo". Foi de arrepiar ouvir o bumbo e aquela voz vigorosa entoando "La Carta".
E a gente se sentido parte da história. Os últimos combatentes do militarismo.
A ditadura se foi ou "fomos" com ela. E Mercedes Sosa continuou cantando maravilhosamente bem. Mas eu já não queria saber mais daquilo. Logo em seguida troquei o poncho pelas multicoloridas roupas do New Wave. A seriedade ranzinza pelo humor Blitz, Asdrubal etc. E Mercedes ficou esquecida até a semana passada.
Fico feliz por não ter lembrado dela apenas ao saber da sua morte. Talvez eu tenha lembrado de Mercedes porque depois de tanta chuva em Curitiba, o rejunte do box do banheiro mostrasse um mofinho. Sabe como é... em boa compreensão portunhola... "como el musguito en la piedra, hay si si si".
PS: Valiosa lembrança de Laura Azevedo: