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Criatividade e loucura

VanGogh não cortou a própria orelha porque era genial. Cortou porque era uma alma atormentada e doida de pedra


Hoje visitei a página do Manu Chao e a explosão de cores que ela ostenta me fez lembrar um velho amigo dos tempos de faculdade, ainda em Porto Alegre. Não vou mencionar o nome por razões óbvias, mas foi um grande amigo a seu tempo. Éramos grudados. Querendo um, era só buscar o outro. E vice-e-versa.


Eu o achava o cara mais inteligente e criativo do mundo. Foi ele quem me apresentou muitas coisas boas. Arthur Rimbaud e os beatniks, por exemplo. Gostávamos de encarnar personagens da literatura e era comum nos tratarmos por nomes "dostoievscados" como Marchiuska e afins. Isso sem falar nas mundanidades do Marcel Proust.


Apesar de termos a mesma idade eu o admirava como a um velho guru. O velho sábio da tribo. Que tola, eu. Um belo dia fui cantar num festival de rock meio "riponga" que rolou em Caxias do Sul, o "Cio da Terra". Após a apresentação da minha pseudo-banda, recebo a notícia que meu fiel escudeiro havia sido levado às pressas para o pronto socorro. Diagnóstico: tinha injetado conhaque nas veias.


Não pensem que não me compadeci. Fiquei com muita pena e prestei minha solidariedade de primeira instância. Mas depois disso, confesso, quando via este antigo amigo andar em minha direção numa calçada, atravessava a rua. Isso mesmo. Desencantei. Saquei que ele era um embuste. Que pessoas inteligentes, como eu pensava que fosse, não faziam aquilo.


Achava, e ainda acho, que pessoas inteligentes dão conta da vida. Seja lá a vida que tenham ou queiram ter para dar conta.


Nunca mais o vi. Vim para o Paraná e parece que ele conseguiu seu intuito suicida de alguma forma, foram as notícias que recebi.


Esta lenga-lenga toda porque pensei, olhando o ultra-colorido site do Manu Chao, como o mundo propagou a idéia de que seres criativos e geniais são "doidos". Que criatividade está diretamente ligada à loucura. Não concordo. Não que eu acredite na existência do gênio normal, nada disso. Eu não acredito é na figura do "normal", seja ele mediocre-normal ou um abaixo-da-crítica-normal. Por consequência não posso crer no gênio-normal. E em sendo todos doidos, há gênio doido, cretino doido, medíocre doido... E ponto.


VanGogh não cortou a própria orelha porque era genial. Cortou porque era uma alma atormentada e doida de pedra. E tá cheio de maluco igual a ele se cortando e produzindo patavinas. O que não prova nada


As grandes invenções nada têm a ver com cérebros irriquietos. Penso, por exemplo, que a preguiça foi responsável pela invenção da ãgua encanada. O carinha que pensou nos canos e tubulações era apenas um coitado que não aguentava mais a mulher pedir pra bombar água no poço e carregar balde. E antes dele foi outro que não suportava mais ir ao rio... e outro que antes disso pensou no balde... e por aí vai.


A idéia de que os artistas e criadores são, necessariamente, malucos é tão estapafúrdia quanto acreditar que as grandes obras  precisam seguir o mesmo rumo. Acho tão criativos os prédios mirabolantes de Frank Gehry quantos as linhas retas de Niemeyer ou Walter Gropius. Não vejo onde o ensandecido Pollock é mais "artista" que os "mínimos" Volpi ou Mondrian.


Fugindo disso... dos grandes... não sendo genial, para fazer loucuras basta umas tequilas e um baseado na cabeça.  Difícil é desenhar um iMac. Sóbrio ou alterado. Limítrofe ou nos eixos.