Pular para o conteúdo

Primo Rogério

Na segunda metade da década de 80 meu primo e amigo Rogério morreu. Por ter a mesma idade que eu (e ser um querido) era meu mais próximo companheiro dentro da família. Morreu de complicações relacionadas a AIDS no tempo em que um soropositivo não tinha um décimo da qualidade de vida que pode alcançar hoje e um milésimo do respeito que pode encontrar e que já não é lá estas coisas.


Na segunda metade da década de 80  meu primo e amigo Rogério morreu. Por ter a mesma idade que eu (e ser um querido) era meu mais próximo companheiro dentro da família. Morreu de complicações relacionadas a AIDS no tempo em que um soropositivo não tinha um décimo da qualidade de vida que pode alcançar hoje e um milésimo do respeito que pode encontrar e que já não é lá estas coisas.


Por Rogério ser de família interiorana, desconhecedora das repartições públicas da capital, meu irmão e eu nos incumbimos da burocracia que envolveria atestado de óbito e traslado do corpo para sua terra natal, onde foi enterrado. Naquele tempo, vejam, caixões de "aidéticos", como eram chamados, deveriam ser lacrados para que a "peste" não se espalhasse.


Lá fomos nós ao Instituto Médico Legal em busca da dita autorização. Um servidor público muito "dedicado" e "preparado", imagino, nos atendeu. Quando notou que o atestado de óbito do Rogério apontava pneumonia, parada respiratória e não lembro mais o que causado pela AIDS, gritou para um colega: "mais um viadinho que se vai".


Meu irmão e eu nos olhamos estarrecidos. Estávamos ali tratando do enterro de um ser humano da melhor espécie (a quem amávamos) e ouvimos aquilo. A pessoa que disse esta barbaridade deve, com certeza, ter exercitado seu direito de não aprovar o que supunha ser o comportamento sexual do meu primo. Não era o único, sem dúvida.


Imagino que meu tio, pai do Rogério, não gostasse muito de ter um filho "afeminado". Tio Antônio era homem do campo. Andava de bombachas e se orgulhava do filho mais velho ser campeão de laço e de rima no CTG local. Imagina se gostaria de ver um filho seu andando um pouco rebolativamente, reconheçamos, e trabalhando com teatro em São Paulo. Imagina? Ator!?. Isso lá é coisa de macho? Com certeza tio Antônio não aprovava.


Mas que diferença a aprovação ou não do tio fazia naquele momento? Jamais vou esquecer o discreto mas sentido choro daquele homem, grande e rude, pela morte do filho. O quanto havia neste choro de saudade, culpa ou arrependimento?